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Entrevista com Daniel Cara: 

 

O Financiamento do PNE

A questão dos recursos destinados à educação sob o prisma do que prevê o Plano Nacional de Educação é algo complexo. Compreender exatamente como e de onde vêm estes recursos nem sempre é tarefa fácil. O coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, aceitou o desafio. Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

A questão dos recursos

O CAQ [Custo Aluno Qualidade] e o financiamento do Plano Nacional de Educação precisam estar ancorados nas outras estratégias e demais metas do Plano. Não é por acaso que o PNE possui 20 metas e é a última que trata do financiamento. Ou seja, as 19 metas determinam desafios e o que deve ser feito, já a 20ª calcula quanto custa implantar isso.

 

O CAQ é o mecanismo que materializa a estratégia de dispêndio da educação básica para o cumprimento das 19 metas. Se a meta 17 determina a equiparação do salário dos professores a outros do mesmo nível de formação, significa que o custo aluno/ano tem que ser suficiente para garantir esta

equiparação.a outros do mesmo nível de formação, significa que o custo aluno/ano tem que ser suficiente para garantir esta equiparação.

 

O CAQ é a estratégia maior de materialização do financiamento da educação porque pensa na unidade escolar considerando padrões de qualidade e os insumos para sua efetivação, que envolvem salário inicial, política de carreira, formação continuada, número de alunos por turma e infraestrutura.

 

É a mesma lógica de uma escola privada onde se paga a mensalidade para se ter o serviço. A soma das

matrículas é que gera o valor

necessário para manutenção daquela escola. No fundo, o CAQ é o mecanismo fundamental de distribuição de recursos, considerando as modalidades (educação infantil, fundamental e médio) e determinados padrões para a garantia à aprendizagem.

 

A inovação do CAQ é que ele não vai dizer só qual investimento precisa ser feito anualmente por aluno de forma genérica, dissociado da realidade escolar, mas dizer o que precisamos investir considerando todas as estratégias de expansão e correção de fluxo e a garantia de um padrão de qualidade.

O que muda com o CAQ nos municípios

Cada munícipio terá que analisar o investimento necessário para garantir uma educação considerando os padrões de qualidade estabelecidos.

 

Observar se o investimento mínimo de 25% de seu orçamento será suficiente, se é possível ampliar o custeio da educação sem comprometer as demais áreas e, se concluir que também não será suficiente, acionar o governo federal, que tem a responsabilidade de transferir recursos orientado pelos critérios estabelecidos pelo CAQ.

 

Cada cidade pode determinar seu CAQ, mas por maior que seja a vontade do gestor e a eficiência de sua gestão em busca de cumprir esse custo por aluno, contarão com recursos orçamentários

para isso. O PNE prevê, por isso, a função complementar da União, conferindo à lei o caráter redistributivo contra as desigualdades na educação.

 

Está prevista para outubro uma nova atualização da fórmula de cálculo do CAQ (a última é de 2007), o que nos dará o cenário dos municípios que irão necessitar da complementação da União para efetivar sua política educacional.

 

O orçamento da União destinado aos municípios para a educação soma o valor de 46 bilhões de reais. Se a União transferir para o município e estado – conforme previsto no PNE – via Fundeb, que é o que defendemos como mecanismo mais correto, ela

deixa de ter o direito de colocar a placa; quem vai colocar a placa é o prefeito, porque é uma transferência legal, não voluntária e que obrigaria o prefeito a reconhecer que o recurso é federal. Com o CAQ, quebramos a ideia da placa, caso a lei seja realmente implementada.

 

Os fundos estaduais do Fundeb, coordenados pelo governo federal, receberão os recursos e o Tribunal de Contas e a Controladoria Geral da União vão supervisionar estes recursos, o que para gente é uma contrapartida muito importante, pois possibilita o controle social federal, que é de melhor qualidade.

A diferença entre CAQ e CAQi

Temos o CAQi (padrão mínimo de qualidade desenvolvido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação), que precisa ser implementado até o segundo ano de vigência do plano; e o CAQ (padrão de qualidade). A Constituição fala em “padrão mínimo de qualidade”, que, segundo a LDB (Lei de Diretrizes e Bases), são os insumos indispensáveis para o ensino e aprendizagem: salário inicial do professor, política de carreira, formação continuada, número de aluno por turma, infraestrutura.

 

O CAQi se refere ao que é indispensável e o CAQ vai além do padrão mínimo.

Qual a diferença entre os dois? Por exemplo, se a gente prevê uma escola em tempo parcial, a de tempo integral seria padrão de qualidade; se prevemos uma quadra poliesportiva coberta a tendência é que os materiais da escola se diversifiquem além dos quatro esportes tradicionais no Brasil (futebol, vôlei, handebol e basquete), o que já é padrão de qualidade. É como se fosse um aperfeiçoamento, uma lapidação do diamante que, nesse caso, é referente ao processo escolar. O CAQi precisa ser implementado nos dois primeiros anos do PNE e o CAQ, no terceiro ano de vigência do Plano.

Em 10 anos precisamos sair do CAQi para o CAQ. A Constituição diz que o direito à educação está referenciado em um padrão de qualidade e um caminho para alcançá-lo é o cumprimento do padrão mínimo de qualidade. Isso significa que se observássemos o padrão mínimo de qualidade em todas as escolas ainda estaríamos aquém do que se espera. Padrão de qualidade seria o fato de um aluno do Santa Cruz (escola particular tradicional localizada em São Paulo/SP) e o de uma escola pública receberem a mesma a educação.

Cálculo nacional X especificidades regionais

O cálculo nacional vai determinar o quanto a União irá transferir para estados e municípios. Só que existem diferenças aqui. A ideia é que seja um valor mínimo nacional porque este cálculo está pautado no direito de cidadania. Não posso diferenciar o aluno de São Paulo do aluno do Norte e Nordeste. Como trabalhamos com valor mínimo e não com uma média pautada nas regiões Sul e Sudeste, a tendência é que nas regiões mais pobres se consiga recompor a planilha de custo, isto é, contextualizar. Vale a pena as cidades recalcularem o seu CAQ, mas tendo clareza de que a entrada de dinheiro fundamental é a que vem do governo federal. 

 

Os estados e cidades mais ricas podem adequar e contextualizar seu índice para avançar em termos nacionais. Estados

 

como São Paulo e Minas Gerais, por exemplo, receberão o recurso nacional, podendo complementar este valor e ir além do padrão mínimo.  O CAQi é um ponto de partida que pode ser contextualizado em cada estado e município, mas considerando as fontes de recursos locais.

 

As regiões mais pobres precisam observar que os valores recebidos devem garantir todos aqueles insumos. Tem um custo de construção, de água (que no Norte e Nordeste é muito superior ao do Sul e Sudeste), dificuldade de transporte de professores, entre outras. Nas regiões centrais do Nordeste, a precificação não é tão diferente nas capitais. Para nós, a curva de normalização vai ser por volta do sétimo, oitavo ano. Até aquele momento, teremos preços próximos.

O desafio da expansão da pré-escola e ensino médio tem que acontecer até 2016 [conforme determina a Emenda Constitucional 59], o segundo ano de vigência do Plano. Acreditamos que, em cinco anos, é possível normalizar a manutenção, que vem no início acoplado a um custo de implementação da escola. A partir disso, os estados, principalmente do Sudeste, conseguirão colocar valores extras e vão acabar alcançando antes o padrão de qualidade.

 

Consideramos o CAQi inteligente porque ele se refere ao mínimo, ou seja, aquilo que não pode faltar, mas estamos distante deste mínimo. Então queremos chegar ao mínimo para depois “criar folga”. Esta é a nossa realidade. Só 0,6% das escolas do país alcançam o padrão mínimo em termos de infraestrutura.

O CAQ e o controle social na educação

 

O CAQ materializa o investimento na educação. Então, o pai, o professor, o aluno vão saber que precisam ter uma escola naquelas condições mínimas de qualidade. Não estamos falando de aprendizagem, mas de condições de ensino. O debate educacional brasileiro está muito enviesado pela questão da aprendizagem que, sem dúvida nenhuma é o objetivo final. Porém, discordamos do fato de os atores centralizarem o debate neste ponto e se esquecerem de que ele não acontece por combustão espontânea. O CAQ estabelece as condições de ensino, que podem ser exigidas desde que se conheçam as condições em que cada escola deve operar. Se a comunidade escolar estiver ciente disso, ela poderá cobrar. Se o governo federal começar a complementar recursos que não batem com a planilha prevista pelo CAQ haverá um problema: o dinheiro estará escoando pelo ralo e a população deverá ir atrás para descobrir o que está acontecendo.

 

O CAQ é a melhor estratégia para se discutir o debate do financiamento. Parece complexo, mas no fundo é muito mais simples que o valor aluno/ano do Fundeb, porque não se sabe que escola ele garante.

CAQ x Fundeb

 

O CAQ não substitui o Fundeb, cuja lei estabelece que o governo federal invista, no mínimo, 10% do esforço de estados e municípios na educação. Estados e municípios contemplam uma planilha de 100% (soma dos 27 fundos estaduais) e o governo federal coloca 10% sobre aquele valor.

 

O CAQ tiraria este cálculo e substituiria pela oferta destes insumos que mencionei. O CAQ estabelece uma estrutura básica de carreira, ele praticamente constrói uma escola e trabalha com a distribuição das escolas reais, com a quantidade certa dos alunos. A melhor maneira de distribuir os valores estabelecidos pelo CAQ é via Fundeb.

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